24 de jun. de 2008

Fisioterapia baseada em evidências – Parte IV – Intervenção/Tratamento – Estudo cego

Olá pessoal!!!

Durante as últimas semanas estamos discutindo ponto a ponto questões importantes relacionadas a estudos de intervenção que podem nos ajudar a entrar na era da fisioterapia baseada em evidências.

Entre essas questões, uma das mais relevantes é o “cegamento” também chamado de “mascaramento”. Em inglês: “blinding” e “masking”, respectivamente.

Apenas para citar um exemplo da sua importância, vamos dar uma lida nesse texto da “bandolier”.

http://www.jr2.ox.ac.uk/bandolier/band60/b60-2.html

Fala sobre acupuntura em pacientes com dor lombar. Atenção! Estou apenas usando um exemplo, não estou questionando a eficácia da acupuntura ok?

No artigo os autores mostram resultados interessantes. A figura mostra que os ensaios cegos tendem a se aproximar da linha de identidade (aquela que atravessa o gráfico da esquerda para a direita) e os estudos não-cegos tendem a se afastar dela mostrando a "eficácia" da técnica.

Na tabela, os autores destrincham os nove artigos. Nos quatro estudos cegos o benefício relativo foi de 1,2 com o intervalo de confiança passando pelo 1, ou seja, não significativo e os estudos não-cegos foi de 1,8 com o intervalo de confiança que não passa pelo 1, ou seja, resultado estatisticamente significante.

Qual a diferença básica entre os estudos? A metodologia. Assim, uma falha metodológica, nesse caso o cegamento, sempre tende a puxar a brasa pra sardinha do pesquisador.

Os autores desse artigo ainda levantam uma questão interessante.
“Esta revisão fornece evidência da falta de efeito ou a falta de evidência do efeito?”. Questão que só pode ser respondida com novos estudos de alta qualidade metodológica.

Para nos aprofundarmos um pouco mais sobre o tema vamos nos basear nesse estudo.

http://www.bmj.com/cgi/reprint/321/7259/504.pdf

Primeira questão, qual o principal motivo de realizar estudos cegos?

A resposta é simples, somos humanos, possuímos crenças e somos sugestionáveis. Nos influenciamos facilmente com aquilo que conhecemos e acreditamos. Por isso a importância do paciente e/ou do pesquisador não estar ciente do tratamento que o indivíduo está recebendo.

É comum um paciente acreditar que um novo tratamento é sempre melhor do que um controle ou um tratamento padrão, ou, ao contrário, ficar mais apreensivo. Isso pode afetar as respostas psicológicas e físicas dos pacientes.

Os tipos de cegamento são:

- Single Blind: Ou o paciente, ou o pesquisador ou os acessores (normalmente é o paciente) não sabem a distribuição dos grupos. Estudo cego.

- Double Blind: Tanto o paciente quanto o pesquisador não sabe sobre a alocação do tratamento. Estudo duplo cego.

- Triple Blind: O paciente, o investigador e todos aqueles responsáveis pela avaliação dos desfechos (como os estatísticos) desconhecem a que tratamento foram designados. Estudo triplo cego.

Existe uma pequena confusão entre os autores sobre o duplo e o triplo cego. Alguns acham que para ser triplo a análise dos dados deve ser cega e os acessores e investigadores são pessoas distintas. Raramente se usa o termo quádruplo cego considerando então, pacientes, investigadores, acessores e análise dos dados cega.
Mas não precisamos ser tão rigorosos assim. Já é suficiente ter os conceitos claros na cabeça.

- Unbliding, non-blinded, open or open label: O paciente e o investigador sabem quais são os grupos de tratamento. Estudo não-cego.

Como foi dito no último “post”, não podemos confundir o cegamento com a alocação sigilosa. O primeiro visa prevenir o que eles chamam de viés de apuração ou também chamado de viés de informação “ascertainment or information bias” que nada mais é que uma distorção sistemática dos resultados de um estudo randomizado, resultante do conhecimento do grupo estudado pela pessoa que avalia o desfecho (outcome). Já o segundo previne o viés de seleção que é um erro sistemático na formação dos grupos. E se o desfecho for subjetivo como dor, por exemplo, aumenta ainda mais a possibilidade do viés.

Deve-se saber que o cegamento nem sempre é fácil de se fazer e às vezes é impossível. No nosso caso, fisioterapia e reabilitação, também é difícil conseguir esse feito. Como vamos, por exemplo, “cegar” um grupo de exercícios em solo com um de fisioterapia aquática? Já a alocação sigilosa sempre pode ser feita.

Mas, quais os potenciais benefícios que conseguimos com o fato do estudo ser cego?

De acordo com este estudo publicado no Lancet em 2002.

Schulz KF, Grimes DA. Blinding in randomised trials: hiding who got what. Lancet 2002; 359(9307):696-700.

São os seguintes:

Principais benefícios se os participantes do estudo estiverem cegos:
- Menor probabilidade de encontrar respostas físicas ou psicológicas enviesadas para a intervenção.
- Maior probabilidade de cumprir com as regras do ensaio.
- Menor probabilidade de encontrar intervenções adicionais (co-intervenções).
- Menor probabilidade de abandono do estudo sem fornecer dados de desfecho, determinando perda do seguimento.

Principais benefícios se os investigadores do estudo estiverem cegos:
- Menor probabilidade de transferir suas tendências e atitudes aos participantes.
- Menor probabilidade de administrar diferentemente co-intervenções.
- Menor probabilidade de ajustar doses diferentemente.
- Menor probabilidade de retirar participantes de forma diferente.
- Menor probabilidade de encorajar ou desencorajar os participantes de forma diferente.

Principal benefício se os acessores do estudo estiverem cegos:
- Menor probabilidade de ter vieses afetando a avaliação dos desfechos, especialmente quando os desfechos de interesse são subjetivos.

Como já falamos anteriormente, o termo mascaramento e cegamento são usados como sinônimos. Porém, em estudos que envolvem pessoas com déficits visuais é mais aconselhável usar o termo mascaramento para evitar confusões. Salvo essa exceção, é mais utilizado o termo “blinding”.

Existe ainda uma ponto importante que é o placebo, mais isso são cenas do próximo capítulo.

Grande abraço e até a próxima.